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Foto do escritorDanilo Zajac

Genocida (Parte I)

Atualizado: 14 de abr. de 2021

Bolsonaro é um genocida, mas ele não está sozinho.



As falsas promessas das democracias liberais se tornaram ainda mais claras nos últimos tempos. Há mais de um ano, o mundo vive sob alerta iminente: um novo Coronavírus, o Sars-CoV-2, avança com força e vira o planeta de ponta cabeça. A origem do vírus ainda é incerta, mas há um consenso de que este novo coronavírus se originou dentro de morcegos (não, ele não surgiu em laboratórios) [1]. O fato é que desde o momento que a comunidade científica percebeu a gravidade da epidemia, inúmeros estudos foram publicados na tentativa de prevenir o vírus. A utilização de máscaras e álcool em gel, juntamente com uma preocupação ainda maior com a lavagem correta das mãos, tornam-se o mantra da nossa era.


Todas as medidas individuais de proteção ao vírus se tornam praticamente ineficazes se as opções políticas dos governos não favoreçam o distanciamento social. Contra as opções negacionistas, os especialistas da área da saúde advogam uma ciência pura e livre de opções políticas, desenterrando o positivismo mais tacanho [2]. Sabe-se inicialmente que a ciência é uma obra humana e, como tal, é movida por interesses e desejos, sempre marcada pela ideologia do pesquisador e do contexto. O mundo cientifico não está isolado do mundo cotidiano, portanto não está livre das opções políticas da sociedade.


Política. Conceito relacionado com o bem público, ao comum, às regras, leis e normais de conduta desta vida e ao ato de decisão que afetará todas essas questões. Quando os especialistas valorizam uma ciência que se opõe à "politização do vírus", estão colocando na política a culpa de todo o negacionismo existente, sem considerar que é somente pela via da política que uma sociedade pode escolher pela valorização da vida humana. Enquanto escrevo este texto, deixo claras as minhas opções políticas, assim como Jair Bolsonaro também o faz quando se ausenta da responsabilidade de tomar medidas mais duras no combate à pandemia [3].


Falando em Jair Bolsonaro, o negacionismo mais cruel como norte político vai muito além da cloroquina. Há uma lógica que o presidente vem repetindo cotidianamente e que se baseia em duas premissas falsas, mas que operam em uma lógica bem simples:


“O Brasil está quebrado e eu não posso fazer nada.” [4]

"Chega de frescura e de mimimi, vamos ficar chorando até quando? Repensem a política de fechar tudo, o povo quer trabalhar." [5]

A primeira frase, fruto da minha análise neste post (a segunda ficará para a semana que vem para não deixar o escrito muito grande), não é fruto da mente incapaz do genocida. Ela é repetida há anos pelos economistas liberais e pela grande mídia, principalmente no período do impeachment de Dilma Rousseff (embora não tenha sido essa a "causa formal" do impeachment). Já debati este tema em outro post, onde demonstro que um país não pode quebrar na sua própria moeda. Sempre que um governo gasta, ele emite moeda; sempre que um governo arrecada, ele destrói moeda. Esse balanço pode ficar no vermelho (déficit), principalmente se o país está com a economia em frangalhos. Note que a compreensão de como a moeda funciona nos permite entender como o país conseguiu suportar o déficit de mais de R$ 1 trilhão (o maior em toda a série histórica) no ano passado. Vejam, meus caros: se o país está quebrado, como o governo brasileiro conseguiu encontrar R$300 bilhões para o pagamento do auxílio emergencial de 2020, sem ter este gasto previsto no orçamento?


Chegando em 2021, parece que estes mesmos economistas e repórteres não compreenderam a resposta da pergunta anterior. Se insiste neste falso diagnóstico, já que o novo auxílio emergencial deve durar só 4 meses e pagando a cada família um valor de no máximo R$375 (ano passado o valor poderia chegar aos R$1200). Os R$44 bi que serão gastos pelo governo são, segundo eles, uma forma de preservar o orçamento. Acontece que, mesmo que em algum grau este tipo de diagnóstico pudesse ser verdadeiro, ele ainda estaria errado. Foi o auxílio emergencial de 2020 que permitiu que o Brasil não despencasse ainda mais em termos de seu PIB. Um estudo da FEA-USP estimou quanto seria a queda: entre 8,4% e 14,8% [6].


O que acontece? No caso de uma política como a do auxílio emergencial, o governo paga uma certa quantia aos beneficiários de baixa renda. Esse dinheiro é usado pelas pessoas para a compra de alimentos, produtos de limpeza e outros bens. Ou seja, por causa do dinheiro que vem do governo, as pessoas gastam mais, o que, por sua vez, aumenta a receita das empresas – elas, então, podem reinvestir e contratar mais funcionários. Isso significa maior renda para a população, que, então, terá mais recursos para aumentar o consumo. É, na prática, uma espiral positiva de estímulo à atividade econômica. E é esta movimentação que gera mais arrecadação para o governo, já que os impostos brasileiros estão concentrados no consumo. Assim, mesmo que o Estado brasileiro precisasse de dinheiro para se financiar, ele o conseguiria com esse aquecimento da economia.


Acontece que a cantilena do Brasil quebrado já havia tomado forma na Emenda Constitucional n. 95/2016, que proibiu o Estado de investir mais do que a inflação durante 20 anos. O estímulo à atividade econômica foi desmontado mesmo antes de Bolsonaro. Os direitos sociais, como a saúde, estão cada vez mais subfinanciados, já que a população só cresce, mas o investimento não. O financiamento em Ciência e Tecnologia (responsável pela criação de vacinas, por exemplo), receberá pífios R$8 bi (previstos no orçamento), ao passo que o poder executivo brasileiro gastou cerca de R$15 bi só com leite condensado ano passado. Distorções à parte, a imoralidade não está na compra do leite condensado, mas sim no minúsculo gasto com C&T.


Genocidas, muito além de Bolsonaro, são os que advogam políticas de austeridade em plena pandemia. Não se pode defender uma "Ciência pela vida" ao mesmo tempo que a preocupação real é com as ações na bolsa. Aos quase 52 milhões de pessoas na pobreza e 13 milhões na extrema pobreza no Brasil, só lhes resta morrer de fome, ou morrer por COVID. Em todos os casos, morrer é a única opção.



 

[1] Por que é importante descobrir a origem do novo coronavírus? <https://saude.abril.com.br/medicina/por-que-e-importante-descobrir-a-origem-do-novo-coronavirus/>.

[2] O positivismo é uma corrente filosófica que defende a ideia de que o conhecimento científico seria a única forma de conhecimento, a partir de uma visão de neutralidade científica. Há uma falsa premissa de que a ciência deve ser totalmente correta e imaculada, caminhando sempre em direção ao progresso.

[3] 'Cobre seu governador': qual a responsabilidade do governo federal no combate à pandemia <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53244465>.

[4] “O Brasil está quebrado e eu não posso fazer nada”. A sibilina e ameaçadora afirmação de Bolsonaro. <https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-01-06/o-brasil-esta-quebrado-e-eu-nao-posso-fazer-nada-a-sibilina-e-ameacadora-afirmacao-de-bolsonaro.html>.



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